sábado, 27 de setembro de 2008

About the left side

About the Left Side
As vezes em mim, a insônia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa muitas vezes : insuportável. No segundo caso, o homem, ou eu, que não durmo penso: o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração.

Os sonhos dos homens assemelham-se entre si. Já os pesadelos, cada um tem o seu. Durante muitos anos eu fui hóspede do frio. Enrolava ganância e ambição e não tinha sonhos, somente pesadelos. O mais recorrente era o do nevoeiro: ninguém me via, era inútil mandar vir uma taça de vinho, no café. O meu dinheiro ninguém o aceitava, ficava parado, fazia de mim um acumulador. Como nunca saía de casa, não sabia falar senão com mortos. Parecia-me magia saber responder boa tarde como vai à saudação dos vizinhos, pedir do vazio ao homem do talho, perguntar as horas. Tempos amargos esses, e hoje, a mesma coisa, a mesma solidão. Com a diferença de que sou mais forte agora, vejo pôr do sol duas vezes por semana, escrevo poemas para não adormecer.

domingo, 21 de setembro de 2008

Tratado de Botânica

Um espaço sobre o que as plantas nos ensinam

Lilly Corneli /Resting in Flowers

Ao rigor de uma ciência futura
de vinte e quatro maneiras morremos,de quarenta maneiras ressuscitamos em flores.
AMA




Lorena Medeiros / Parque da Cidade

Os milagres acontecem a horas incertas.
Hoje abriu a primeira flor e eu disse é um sinal.







Brett Decon / Ginkos


Eu aprendi com a primavera a me deixar cortar e voltar sempre inteira
Cecília Meireles


Muitas vezes distraídos, vamo-nos deixando enfeitar com o desnecessário e falso, levados por convicções inférteis assentes na imagem e na vontadezinha de controlar o que nos rodeia.


Algumas plantas explicam-nos que de tempos em tempos precisamos de poda, de sermos cortados para crescermos melhor.


A árvore acima é um Gingko Biloba, considerada fóssil vivo e símbolo de longevidade. Não precisa de ser cortada mas, pelo menos, no outono, tem de deitar para o chão as suas folhas cor de sol para as substituir pelo esperançoso verde da estação que terminou ontem.


Enfim... falam-nos de mudança, de transformação, de nos tornarmos inteiros. MAIS INTEIROS.














sábado, 6 de setembro de 2008

E chove...







Hoje chove muito, muito, diria que estão lavando o mundo, o meu vizinho vê a chuva e pensa em escrever uma carta de amor à mulher com quem vive e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele e se parece com a sua sombra, o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher, entra em casa pela janela e não pela porta pois por uma porta entra-se em muitos lugares como no trabalho, no quartel, na prisão, em todos os edifícios do mundo mas não no mundo nem numa mulher nem na alma (quer dizer nessa caixa ou nave que chamamos assim). Como hoje chove muito me custa escrever a palavra amor porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa e só a alma sabe onde as duas se encontram e que coisas a alma não pode explicar? Por isso o meu vizinho tem tempestades na boca, palavras que naufragam palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que ele amou e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá, como o silêncio que existe entre duas rosas ou como eu que escrevo palavras para regressar ao meu vizinho que vê a chuva pensando e a chuva vê ao meu coração desterrando.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Meu aniversário.




Em 1986, eu nasci. E todo dia desde então assim repete-se. Controlo a intensidade das palavras para que as pulsações continuem firmes. O modo de viver é tornar-me um pouco misterioso, menos efusivo. Confesso - um esforço que me rouba as forças. Contenho os sonhos inevitáveis que me escapam e nunca pensei que isso fosse uma tarefa de tão difícil execução. E percebo, muitas vezes, que eu não sou eu, cada dia, sou outro. Ou que eu sou um eu para cada pessoa que estou, já aperceberam-se disto? Engasgo-me com o excesso de sentimentos - são tão limpos e tento encontrar alguma explicação que transcenda algum sentido, mas não encontro, nestes 22 anos de existência física. Talvez porque não exista. Nesse descompasso, deixo um pouco de cada eu ficar ancorado no peito em busca terra firme - a mesma que desaparece se tratando de sentimentos inefáveis e de dias que nasço. Ainda sim, seria bom - e ideal - desvencilhar-me dos medos sem fundamentos. Parece e até soa estranho, mas finalmente estou feliz hoje.




AMA


segunda-feira, 1 de setembro de 2008

I learned.

O meu coração nasceu nu, logo em fraldas embalado. Só mais tarde usou poemas em vez de roupas. Tal como a camisa que punha levava sobre o corpo a poesia que lera. Vivi meio século assim até que, sem uma palavra, nos encontrámos. A minha camisa nas costas da cadeira diz-me que hoje percebi quantos anos decorei poemas esperando por outros.

A.M.A

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Pés.






(...) Terás de amar os pés, mesmo que partidos ao meio, na destruição dramática dos seus vinte e seis ossos. (...) Toda a sua minuciosa anatomia de quem quer andar como quem canta. (...) Encontrar-lhe os lírios nas sequelas dos músculos. Dar-lhes corda. (...) Pô-los a pensar sobre os caminhos - dar-lhes caminhos. (...)


Um dia o vai ser um verso nos meus lábios.

A.M.A

domingo, 6 de julho de 2008

Mulheres Parte I

Muito cedo na minha vida foi tarde de mais. Aos dezoito anos era já tarde demais. Entre os dezoito e os vinte um anos o meu rosto partiu numa direcção imprevista. Aos dezoito anos envelheci. Não sei se é assim com toda a gente, nunca perguntei. Parece-me ter ouvido falar dessa aceleração do tempo que nos fere por vezes quando atravessamos as idades mais jovens, mais celebradas da vida. Este envelhecimento foi brutal. Eu o vi apoderar-se dos meus traços um a um, alterar a relação que havia entre eles, tornar os olhos maiores, o olhar mais penetrante, a boca mais definitiva, marcar a fronte de fendas profundas. Em vez de me assustar, vi operar-se este envelhecimento do meu rosto com o interesse que teria, por exemplo, pelo desenrolar de uma leitura. Sabia também que não me enganava, que um dia ele abrandaria e retomaria o seu curso normal. Muitas vezes me disseram que o sol era demasiado forte durante toda a infância. Mas não acreditei.


Já sei muito. Sei uma coisa. Sei que não são os vestidos que fazem as mulheres mais ou menos bonitas, nem os cuidados de beleza, nem o preço dos cremes, nem a raridade, o preço dos enfeites. Sei que o problema está em algum lugar. Não sei onde. Sei só que não está onde as mulheres julgam. Olho as mulheres. Existem as muito belas, muito brancas, têm um cuidado extremo com a sua beleza. Não fazem nada, guardam-se apenas, guardam-se para o Tempo, ou os amantes, o verão que chegará. Esperam. Vestem-se para nada. Olham-se. Na sombra dessas vivendas, olham-se para mais tarde, julgam viver um romance, têm já longos armários cheios de roupas a que não sabem que fazer, colecionados como o tempo, a longa sequência dos dias de espera. Algumas ficam loucas. Algumas são trocadas por uma jovem criada que se cala. Abandonadas. Ouve-se esta palavra atingi-las, o barulho que faz, o barulho da bofetada que ele dá. Algumas matam-se. Esta falta das mulheres a si próprias, por si próprias perpetrada, apareceu-se sempre como um erro. Não havia que atrair o desejo. Ele estava naquela que o provocava ou não existia. Ou estava lá desde o primeiro olhar ou então nunca existira. Era a inteligência imediata da relação de sexualidade ou então não era nada. Isso eu já sei.



deve existir uma outra noite onde caibamos todos inocentemente felizes comendo laranjas e discutindo problemas de aromas de flores

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Part II

Conheço as palavras de có. Amigos meus, dizem que sou um domador de palavras. Mas sou eu – eu - sei em que medida sou eu que sou domado por elas. A iniciativa pertence-lhes. São elas que conduzem o meu trenó sem chicote, nem rédeas, nem caminho determinado antes da grande aventura. Sim. Conheço as palavras. Tenho um vocabulário próprio. O que sofri, o que vim a saber com muito esforço fez inchar, rolar umas sobre as outras palavras. As palavras são pedrinhas que rolam na boca antes de as soltar. São pesadas e caem. São o contrário dos pássaros, embora pássaro seja uma das minhas palavras. A minha vida passou para o dicionário que sou. A vida não me interessa. Alguém que me procure tem de começar - e de ficar - pelas palavras. Através das várias relações de vizinhança, entre elas estabelecidas nos escritos, talvez venha a saber alguma coisa. Até não saber nada, como eu não sei.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Cinco Pedras I





Homem feliz é aquele que administra sabiamente a
tristeza e aprende a reparti-la pelos dias a vir. Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará um pouco de tristeza Oh! Como é triste envelhecer à porta de um sonho. Oh como é triste arriscar em humanos a esperança de um amor que finda na primeira manhã de verão ao longo do mar transbordante de nós feitos de adeus intermináveis. Fico triste no jardim ao olhar a solidão do sol imponente no céu azul, vê-lo desde o rumor e as casas da cidade até uma vaga promessa de rio e a pequenina vida que se concede às suas unhas. Mais triste é ter de nascer e morrer e de não haver árvores no fim da rua. É triste ir pela vida como quem regressa e entrar humildemente por engano pela morte adentro. É triste no outono concluir que era o verão a única estação.

É triste ver passar o solitário vento e não o conhecemos e não sabemos ir até ao fundo de nós mesmos como rios que sabem onde encontrar o mar e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes convivem através de palavras ou de uma água para sempre dita. Mas o mais triste é recordar os gestos de ontem. Triste é comprar pipoca depois da partida de futebol entre o uísque e o domingo na tarde de novembro e ter como futuro o asfalto de muita gente e atrás a vida sem nenhuma infância revendo tudo isto algum tempo depois. A tarde morre pelos dias afora. É muito triste andar por entre Deus ausente e um Deus presente. Mas, eu, poeta, administro a tristeza sabiamente.

AMA


segunda-feira, 30 de junho de 2008




Já pensei, seriamente que sim Quando chegar o fim do verão vou cortar a minha língua, encher a minha boca de terra, e tapá-la bem. Depois é deixar vir ou outono no silêncio. No inverno, hei-de regá-la com uma chuva silenciosa, feita do corpo mudo, que é para ver se lá para a primavera me nasce uma outra língua, irrompendo novas palavras, cheias de ti.



há vozes e fotografias que me calam completamente.

sábado, 28 de junho de 2008

Coffee Time

15.58h. Água + Gás + Sabor (escolhi uva) – R$1,50. Café – R$1,00. O segundo é um vício. Local ?desconhecido?. Ponto de referência: uma biblioteca e um jardim abandonado onde os únicos habitantes são árvores que convivem absortos com a sombra e se remexem ao vento sem pressa ao contrário dos pombos irrequietos. Trago palavras que não digo a ninguém debaixo do braço. Um livro de poesia que insisto em não ler para além da página 23. Eu sei, eu sou teimoso. E levo-o para todo o lado. Reparei agora que aqui ninguém se conhece. Entrei distraído num corredor de solitários lendo livros de filosofia que muito provavelmente não sabe o que fazer à vida. A música do ambiente embala os pensamentos (os meus também) e – nisso – deixei esfriar o café. Sentei-me perto da janela para espantar os olhos. Não se pode fumar aqui e vejo que há quem engane o vício com pastilhas ou halls, umas atrás das outras. É o que eu faço também, só que eu não fumo. Mas espere, há os cinzeiros e estão vazios porque ninguém lhes dá uso. (Decoração?) Gosto do som do café batendo violentamente na lata de lixo. Talvez seja isso que gosto mais aqui: a sinfonia mecânica que me faz esquecer por breves momentos as dores de cabeça habituais. Estranho, não? Mergulho os olhos no fundo do copo também esperando o barulho. Não é que tenha sede, mas divirto-me com o barulho da água caindo lentamente no copo. Tudo isto para não pensar. O livro em descanso na mesa pedindo para que eu o abra na página onde o abandonei. 23.23.23 Não consigo. E tudo isto para não pensar. Em mim. Levanto-me de repente e vou roubar os classificados que estão em exposição na mesa ao lado. Oferta: em letras grandes e gordas. Pensamento: deveriam oferecer-se sorrisos, isso sim. Ora aqui está uma seriedade desnecessária e irreal. Era bonito que toda a gente começasse a sorrir ao mesmo tempo: um atestado coletivo de insanidade mental e estava o assunto arrumado. Às vezes, em dias bons, ainda tento esse sorriso: nas filas do supermercado, nas filas dos carros em trânsito, nas filas – pronto! – que é para ver se a coisa se aguenta com boa-disposição. Mas não, de pouco ou nada me vale o esforço: um olhar torto aqui e ali, um sussurro entre dentes (provavelmente a dúvida: será maluco?) e um virar de cara, na maior parte das vezes. Qualquer dia desisto. Afinal de contas, ninguém dá por falta do sorriso. (Só eu?) Tenho pena. Chamo o empregado (que parece sempre chateado) mal ele acaba de fazer o café. Pago e saio sem deixar sorriso. Acho que não vou voltar amanhã. Aqui ninguém me (re)conhece. Não se ouve murmúrio nenhum. Muito menos do mar.

Pago-te um café se me sorrir