segunda-feira, 6 de julho de 2009

the lemon tree it laughs at me, it's growing beautifully

A sua infância foi um país ocupado por entidades detestáveis que impediam as árvores de lhe falar. (Mais tarde, na adolescência, imaginou que engravidara de um limoeiro – ou foi o perfume do seu sexo que o sonhou, ou foi o perfume do seu sexo que foi sonhado, talvez pelo limoeiro.) Nunca pôde se esconder, como as flores se fecham com a noite. Obrigavam-no a sorrir educado, perfiladamente, espetavam-lhe duas bofetadas e obrigavam-no a levantar a cabeça, a erguer os olhos pesados de choro, e a gordura das lágrimas caía-lhe pela face e ouvia-se no chão. A sua infância é um país ocupado até hoje. (A sua vida pareceu-lhe sempre uma longa convalescença. Ou qualquer coisa que lhe foi emprestada. Uma presença emprestada – para quê? A existência parecia-lhe apenas um estado sólido da tristeza mais absoluta. Ou talvez lhe faltasse apenas paciência para viver. Vive por engano? Se morreu, quer saber. Se vive, quer saber. Espera um sinal de si próprio. Espera algo que, dentro dele, arda mais alto do que ele. Um signo que, ao erguer-se, toque e faça girar uma constelação.)

sábado, 27 de setembro de 2008

About the left side

About the Left Side
As vezes em mim, a insônia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa muitas vezes : insuportável. No segundo caso, o homem, ou eu, que não durmo penso: o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração.

Os sonhos dos homens assemelham-se entre si. Já os pesadelos, cada um tem o seu. Durante muitos anos eu fui hóspede do frio. Enrolava ganância e ambição e não tinha sonhos, somente pesadelos. O mais recorrente era o do nevoeiro: ninguém me via, era inútil mandar vir uma taça de vinho, no café. O meu dinheiro ninguém o aceitava, ficava parado, fazia de mim um acumulador. Como nunca saía de casa, não sabia falar senão com mortos. Parecia-me magia saber responder boa tarde como vai à saudação dos vizinhos, pedir do vazio ao homem do talho, perguntar as horas. Tempos amargos esses, e hoje, a mesma coisa, a mesma solidão. Com a diferença de que sou mais forte agora, vejo pôr do sol duas vezes por semana, escrevo poemas para não adormecer.

domingo, 21 de setembro de 2008

Tratado de Botânica

Um espaço sobre o que as plantas nos ensinam

Lilly Corneli /Resting in Flowers

Ao rigor de uma ciência futura
de vinte e quatro maneiras morremos,de quarenta maneiras ressuscitamos em flores.
AMA




Lorena Medeiros / Parque da Cidade

Os milagres acontecem a horas incertas.
Hoje abriu a primeira flor e eu disse é um sinal.







Brett Decon / Ginkos


Eu aprendi com a primavera a me deixar cortar e voltar sempre inteira
Cecília Meireles


Muitas vezes distraídos, vamo-nos deixando enfeitar com o desnecessário e falso, levados por convicções inférteis assentes na imagem e na vontadezinha de controlar o que nos rodeia.


Algumas plantas explicam-nos que de tempos em tempos precisamos de poda, de sermos cortados para crescermos melhor.


A árvore acima é um Gingko Biloba, considerada fóssil vivo e símbolo de longevidade. Não precisa de ser cortada mas, pelo menos, no outono, tem de deitar para o chão as suas folhas cor de sol para as substituir pelo esperançoso verde da estação que terminou ontem.


Enfim... falam-nos de mudança, de transformação, de nos tornarmos inteiros. MAIS INTEIROS.














sábado, 6 de setembro de 2008

E chove...







Hoje chove muito, muito, diria que estão lavando o mundo, o meu vizinho vê a chuva e pensa em escrever uma carta de amor à mulher com quem vive e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele e se parece com a sua sombra, o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher, entra em casa pela janela e não pela porta pois por uma porta entra-se em muitos lugares como no trabalho, no quartel, na prisão, em todos os edifícios do mundo mas não no mundo nem numa mulher nem na alma (quer dizer nessa caixa ou nave que chamamos assim). Como hoje chove muito me custa escrever a palavra amor porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa e só a alma sabe onde as duas se encontram e que coisas a alma não pode explicar? Por isso o meu vizinho tem tempestades na boca, palavras que naufragam palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que ele amou e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá, como o silêncio que existe entre duas rosas ou como eu que escrevo palavras para regressar ao meu vizinho que vê a chuva pensando e a chuva vê ao meu coração desterrando.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Meu aniversário.




Em 1986, eu nasci. E todo dia desde então assim repete-se. Controlo a intensidade das palavras para que as pulsações continuem firmes. O modo de viver é tornar-me um pouco misterioso, menos efusivo. Confesso - um esforço que me rouba as forças. Contenho os sonhos inevitáveis que me escapam e nunca pensei que isso fosse uma tarefa de tão difícil execução. E percebo, muitas vezes, que eu não sou eu, cada dia, sou outro. Ou que eu sou um eu para cada pessoa que estou, já aperceberam-se disto? Engasgo-me com o excesso de sentimentos - são tão limpos e tento encontrar alguma explicação que transcenda algum sentido, mas não encontro, nestes 22 anos de existência física. Talvez porque não exista. Nesse descompasso, deixo um pouco de cada eu ficar ancorado no peito em busca terra firme - a mesma que desaparece se tratando de sentimentos inefáveis e de dias que nasço. Ainda sim, seria bom - e ideal - desvencilhar-me dos medos sem fundamentos. Parece e até soa estranho, mas finalmente estou feliz hoje.




AMA


segunda-feira, 1 de setembro de 2008

I learned.

O meu coração nasceu nu, logo em fraldas embalado. Só mais tarde usou poemas em vez de roupas. Tal como a camisa que punha levava sobre o corpo a poesia que lera. Vivi meio século assim até que, sem uma palavra, nos encontrámos. A minha camisa nas costas da cadeira diz-me que hoje percebi quantos anos decorei poemas esperando por outros.

A.M.A

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Pés.






(...) Terás de amar os pés, mesmo que partidos ao meio, na destruição dramática dos seus vinte e seis ossos. (...) Toda a sua minuciosa anatomia de quem quer andar como quem canta. (...) Encontrar-lhe os lírios nas sequelas dos músculos. Dar-lhes corda. (...) Pô-los a pensar sobre os caminhos - dar-lhes caminhos. (...)


Um dia o vai ser um verso nos meus lábios.

A.M.A