sábado, 6 de setembro de 2008

E chove...







Hoje chove muito, muito, diria que estão lavando o mundo, o meu vizinho vê a chuva e pensa em escrever uma carta de amor à mulher com quem vive e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele e se parece com a sua sombra, o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher, entra em casa pela janela e não pela porta pois por uma porta entra-se em muitos lugares como no trabalho, no quartel, na prisão, em todos os edifícios do mundo mas não no mundo nem numa mulher nem na alma (quer dizer nessa caixa ou nave que chamamos assim). Como hoje chove muito me custa escrever a palavra amor porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa e só a alma sabe onde as duas se encontram e que coisas a alma não pode explicar? Por isso o meu vizinho tem tempestades na boca, palavras que naufragam palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que ele amou e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá, como o silêncio que existe entre duas rosas ou como eu que escrevo palavras para regressar ao meu vizinho que vê a chuva pensando e a chuva vê ao meu coração desterrando.